Descoberta de texto perdido revela uma versão surpreendente dos ensinamentos de Jesus

Entre os muitos escritos antigos que ajudaram a moldar o cristianismo, poucos são tão intrigantes quanto o Evangelho de Tomé. Enquanto os quatro Evangelhos canônicos...

CURIOSIDADES

Sr. Curioso

5/23/20254 min read

Evangelho de Tomé: O Enigmático Texto Excluído da Bíblia que Aponta um Jesus Diferente

Entre os muitos escritos antigos que ajudaram a moldar o cristianismo, poucos são tão intrigantes quanto o Evangelho de Tomé. Enquanto os quatro Evangelhos canônicos — Mateus, Marcos, Lucas e João — narram os milagres, a paixão e a ressurreição de Jesus, este texto segue uma trilha completamente diferente: ele não conta histórias. Ele revela mistérios.

Composto por 114 frases atribuídas a Jesus, o Evangelho de Tomé não menciona curas, crucificação ou a Última Ceia. Em vez disso, apresenta um mestre espiritual que conduz seus discípulos a um tipo de salvação baseada no autoconhecimento e na descoberta de verdades ocultas. Mas afinal, por que esse evangelho ficou de fora da Bíblia? E o que ele nos diz sobre os diversos caminhos que o cristianismo quase seguiu?

Sabedoria em Fragmentos, Não em Histórias

Diferente dos Evangelhos tradicionais, o texto de Tomé é uma coleção de ensinamentos diretos, muitos começando com a frase “Jesus disse…”. Seu tom é anunciado logo no início:

“Estas são as palavras secretas que Jesus, o Vivente, proferiu, e que Judas Tomé Dídimo registrou.”

Nada de parábolas famosas ou eventos cronológicos. O que encontramos é uma espécie de quebra-cabeça espiritual, com frases enigmáticas e simbólicas, destinadas a provocar a reflexão interior.

Os estudiosos acreditam que o evangelho tenha sido escrito no século II d.C., o que levanta dúvidas sobre sua autoria tradicionalmente atribuída ao apóstolo Tomé. Para pesquisadores como Bart Ehrman, embora algumas frases possam ter raízes autênticas nos ensinamentos de Jesus, o conjunto do texto mostra forte influência do gnosticismo — um movimento que valorizava a sabedoria interior acima dos rituais e estruturas da religião oficial.

Por Que o Evangelho de Tomé Foi Rejeitado?

A exclusão desse evangelho não foi fruto de censura aleatória, mas de um processo seletivo rigoroso, conduzido nos primeiros séculos pela Igreja para formar o que hoje conhecemos como o Novo Testamento. Três critérios principais foram usados para definir quais textos seriam considerados sagrados:

  1. Autenticidade Apostólica: o texto deveria ter sido escrito por um apóstolo ou por alguém próximo a ele. Como o Evangelho de Tomé provavelmente surgiu após a morte de Tomé, sua autoria foi considerada inválida.

  2. Coerência Doutrinária: os ensinamentos precisavam estar em harmonia com os demais textos aceitos. A ênfase de Tomé no autoconhecimento, em vez da fé no sacrifício de Jesus, era vista como um desvio perigoso.

  3. Uso Comum nas Comunidades Cristãs: os quatro Evangelhos já circulavam amplamente entre os fiéis. Incluir um texto com visões tão distintas poderia gerar divisões e confusão.

O resultado foi a exclusão de Tomé do cânone oficial. Longe de ser uma simples proibição, essa decisão refletiu a tentativa da Igreja de preservar uma unidade teológica diante de uma diversidade crescente.

Um Jesus Que Aponta Para Dentro

O Evangelho de Tomé apresenta um Jesus menos milagreiro e mais filósofo espiritual. Em vez de anunciar um Reino de Deus no céu ou após a morte, ele aponta para algo interno e presente:

“Se disserem: ‘O Reino está no céu’, os pássaros chegarão antes. Se disserem: ‘Está no mar’, os peixes os precederão. O Reino está dentro de vós e ao redor de vós.”

Essa visão contrasta fortemente com a teologia tradicional, que enfatiza redenção, pecado e ressurreição. No evangelho gnóstico, o problema do ser humano não é o pecado, mas a ignorância. A solução? Conhecimento — especialmente, conhecimento de si mesmo.

Gnosticismo: Uma Espiritualidade Paralela

O gnosticismo, com o qual o Evangelho de Tomé é amplamente associado, via o mundo físico como imperfeito, e a salvação como um despertar espiritual. Jesus, nesse contexto, não seria o redentor pela cruz, mas o portador de segredos divinos destinados a libertar a centelha espiritual adormecida em cada ser humano.

Essa doutrina era radical demais para a Igreja institucional da época, que construía sua base teológica na morte e ressurreição de Cristo como fatos históricos e redentores. O Evangelho de Tomé, ao ignorar esses eventos, acabou descartado — mas jamais esquecido.

Por Que Ainda Fascina?

A redescoberta do Evangelho de Tomé em 1945, entre os manuscritos de Nag Hammadi no Egito, reacendeu o interesse por essa obra esquecida. Em um mundo cada vez mais cético quanto a instituições religiosas, seus ensinamentos sobre autonomia espiritual, introspecção e verdade interior encontram eco em muitas pessoas.

Além disso, pesquisadores ainda debatem se o texto preserva tradições orais mais antigas que os próprios evangelhos canônicos. A possibilidade de vislumbrar um Jesus "alternativo", menos institucionalizado e mais voltado ao autoconhecimento, mantém vivo o debate em círculos acadêmicos e espirituais.

Uma Janela Para o Cristianismo Que Quase Foi

O Evangelho de Tomé nos lembra de que o cristianismo, em seus primeiros séculos, era muito mais plural do que se imagina. Múltiplas interpretações sobre quem era Jesus e o que ele ensinava circulavam ao mesmo tempo. A Bíblia como a conhecemos hoje é fruto de escolhas — e de renúncias.

Esse evangelho rejeitado nos convida a repensar as fronteiras da fé, da espiritualidade e da história. Talvez, como o próprio texto sugere, a chave para compreender o divino não esteja apenas em livros ou doutrinas, mas “diante dos nossos olhos” — esperando para ser reconhecida.